Hoje em dia, volta-se a recomendar aos cristãos com insistência a “Leitura orante da Bíblia”. Digo “volta-se” porque é uma prática existente na Igreja desde os primeiros séculos sob o nome de lectio divina, leitura divina, e que prosperou sobretudo nos mosteiros. Aproveitando a oportunidade do mês da Bíblia, vamos aprofundar alguns dos seus aspectos.
A Bíblia, além de ser regra suprema de fé para a comunidade cristã, é também o espelho da sua vida, o oráculo no qual se inspira e o pão que sustenta, para que “ouvindo creia, crendo espere, esperando ame”. Não se pode ser cristão sem viver a escuta da palavra de Deus. O cristão deve estar aberto a Deus, para receber, acolher, captar a sua Palavra, guardá-la, obedecer-lhe e pô-la em prática. Abrimos a Bíblia para beber a água da salvação, para encontrar nela a justa resposta às perguntas de existência humana e para alimentar o espírito na peregrinação rimo à pátria.
“Cristo está presente na sua Palavra, já que é Ele que fala quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura”. É uma presença que pode ser comparada com a presença eucarística. A palavra de Deus ouvida e acolhida na fé tem a missão de configurar a existência humana do cristão, chamado a converter-se ele próprio em palavra e sinal expressivo do amor de Deus. Às exigências da Bíblia não nos podemos subtrair. Ela nos questiona e parece nos perguntar: “Você está agindo assim? A sua vida, atividade e apostolado não um eco e uma aplicação concreta da mensagem de Cristo, palavra definitiva de Deus, presente na Escritura?” Aí estão os dois primeiros passos da Leitura orante da Bíblia: escuta e reflexão.
Mas por que ela se chama orante? Porque a leitura é acompanhada da oração, que a converte num diálogo de amor com o Pai e leva à contemplação das maravilhas realizadas na história da salvação. Ao Deus de amor que se manifesta e fala nas Sagradas Escrituras, o fiel responde com hinos, ações de graças e súplicas.
Com efeito, toda leitura é um diálogo pessoal entre o autor e o leitor. Se o autor de um livro está presente e fala nele, com maior razão isto vale da Bíblia, porque o nosso Deus é um Deus vivo que continua a falar aos que ouvem a sua Palavra. Por isso a Leitura orante da Bíblia é uma conversa com Deus, é ruminar a sua palavra na oração, um diálogo de amor, de coração para coração, na intimidade pessoal.
Através das palavras dos profetas, de Cristo e dos apóstolos, ressoa a voz do Espírito Santo, e o Pai que está nos céus vem amorosamente ao encontro dos seus filhos e se entretém amigavelmente com eles. “Nós falamos com ele quando rezamos e o escutamos quando lemos os oráculos divinos”. Esta é uma leitura “espiritual” no sentido pleno, pois é animada pelo Espirito Santo, que ilumina os olhos da alma. Oração e contemplação são os dois últimos passos da Leitura Orante.
Observe agora na Missa, na Liturgia da Palavra, fazemos uma leitura orante da Bíblia: Deus nos fala nas leituras e nós lhe respondemos com o Salmo, o Aleluia, a Oração dos Fiéis; a homilia e o silêncio nos ajudam a refletir e contemplar.
Não existe vida de oração sem acolhida reverente e alegre de Deus na nossa vida, e sem a nossa resposta com sentimentos e afetos de louvor, gratidão, súplica e contemplação. O objetivo desta leitura no Espírito é instaurar um diálogo de amor entre o Pai celeste e os seus filhos peregrinos sobre a terra.
A prática habitual da Leitura orante contribui notavelmente para converter o cristão e transformá-lo num homem de Deus, porque o contato cotidiano com a Palavra permite penetrar no plano divino, torna-se sensível á santidade e à soberania de Deus , à sua bondade e misericórdia, e sobretudo ao mistério e á pessoa de Jesus através do Evangelho. A Leitura orante é uma verdadeira escola de Cristo e do Espirito, na qual o cristão aprende qual é a vontade de Deus sobre ele e recebe a verdadeira sabedoria da vida.
Pe. José Raimundo Vidigal, C.Ss.R.
Citações: Concilio Vaticano II, Constituição
Dogmática Dei Verbum. Sobre a Divina Revelação.
Fonte: Revista Akikolá.