Numa passagem de seu Evangelho (Lc 14,1.7-74), Lucas nos faz entrar, com Jesus, na casa de um fariseu. Em defesa dos fariseus, é bom que se diga logo: participavam desse grupo, surgido um século antes de Cristo, pessoas sérias, que tinham normas morais elevadas e observam com rigor as leis religiosas.
Ao contrário dos saduceus, facção religiosa judaica da mesma época, os fariseus acreditavam na imortalidade da alma e na ressurreição do corpo. O problema é que sua observância rigorosa das leis aos poucos perdeu o sentido, pois, suas ações não eram conduzidas pelo amor, mas pela vaidade. Daí as críticas que receberam de João Batista (“raça de víboras”) e de Jesus (“hipócritas”). Voltemos à casa do fariseu que convidou Jesus para o almoço. Não somos os únicos convidados: muitos outros chegaram antes de nós e, com a maior naturalidade, ocuparam logo os melhores lugares. Jesus a tudo observa, e através de uma parábola, dá uma lição: “Quando fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante… Quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar… Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado.”
Olhemos ao nosso redor, não para julgar os que nos rodeiam, mas para aprender com seu comportamento. Na organização de nossa sociedade, a vaidade tem uma cadeira cativa. Para muitos, o importante é aparecer e ser admirado por todos, ocupar postos importantes e manter-se em lugares de destaque. Quantas pessoas constroem sua vida em função de tais desejos, mesmo que para isso seja necessário passar por cima de outros e cometer injustiças! Para eles, o importante é serem admirados, aclamados e louvados. Isso lhes faz bem; deixa-os satisfeitos! Pior para crianças e jovens que nascem e vivem em ambientes assim! Logo cedo concluem: o dinheiro dá prestigio e poder ; o poder oferece “status”; dá felicidade… A vaidade passa, então, a ser de vista como uma virtude; as necessidades dos outros, como “azar”, “resultado da preguiça”, “vagabundagem”…
A lógica de Jesus Cristo é a lógica do serviço. Os dons (talentos), as riquezas e o poder devem ser colocados a serviço dos outros. Ele nos ensina que o problema não é ter, mas apegar-se (claro: quanto mais se tem, maior é a facilidade do apego!). Não é errado ter poder; errado é usá-lo em benefício próprio; não é um mal ter inteligência e boa formação: grave é quando tais capacidades são usadas para dominar os outros, de forma rápida e eficaz.
Voltemos nossa atenção para o almoço na casa do fariseu. Tudo indica que convidaram Jesus para melhor observá-Lo: quem sabe, poderiam vê-Lo cair em contradição em algum ponto importante de sua doutrina… Teriam, então, uma bela oportunidade para criticá-lo. Seu comentário final deve tê-los deixado surpresos: “Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos! Então serás feliz, pois estes não têm como te retribuir”.
Para Jesus, o olhar que dá a verdadeira dimensão dos acontecimentos é o olhar do Pai. A final, o que levamo dessa vida? Prestígio duramente conquistado? Louvores, elogios e palmas? Ações compradas na Bolsa? Dinheiro aplicado em bancos internacionais? Fama e bom nome?
Todos acreditam na morte. Talvez, o grande problema é que muitos não acreditam em sua própria morte. Ou, então, acham que só morrerão depois de muitas em muitas décadas. Para esses, é impensável assumir como norma de vida para a observação de Jesus: “Receberás a recompensa na ressurreição dos justos”.
O Evangelho é uma proposta de vida. Sua verdade não depende de nossa aceitação ou não. Isto é, não é porque acreditamos nele que ele passa a ser verdadeiro. Não é porque alguém deixa de acreditar nele que seu conteúdo não o atingirá. O Evangelho tem seu fundamento em uma pessoa que morreu e ressuscitou: Jesus Cristo, o Filho eterno do Pai eterno. Se o aceitarmos, teremos vida abundante. Se não o aceitarmos, nossa vida não passará de uma bela (e passageira”) bolha de sabão…
Dom Murilo S. R. Krieger, SCJ
Fonte: Revista Mensageiro do Coração de Jesus