A Quinta-feira santa inicia o ‘Tríduo pascal’, o núcleo do ano litúrgico. O seu tempo mais importante. É recordação e é celebração daquelas horas finais da vida do Mestre junto aos seus discípulos. Cada comunidade se reúne à mesa da Eucaristia. Entre nós há a amizade, a ternura, o amor dos apóstolos. Comungar a Páscoa é receber a energia de vida e de libertação que nos vem das palavras e gestos de Jesus: na última ceia e na cruz.
O povo católico participa da Missa da Ceia do Senhor. Cerimônia comovente repassando as lembranças da despedida de Jesus conservadas pela Tradição. Tudo centralizado na Eucaristia por ele instituída nesse dia. Nessa mais preciosa herança a Igreja tem a fonte da sua presença viva e perpétua na consagração do pão e do vinho e a vivência perene do mandamento novo do Mestre: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei, este é o meu novo mandamento!”.
Enfim, momento imperdível do nosso crescimento espiritual, do convívio fraterno uns com os outros e da esperança de um mundo melhor para todos, a missa do “lava-pés” reproduz a lição de fraternidade deixada por Jesus. Até as crianças compreendem a exigência do novo mandamento concretizada em ritos e gestos. Ler: Jo. 13, 1-5.
A rigor o evangelho aqui não quer documentar fatos. Oferece um anúncio de fé sobre o sentido da pessoa e da obra de Jesus na terra. Nele e por ele Deus fez uma nova criação e uma nova aliança com os homens. Por isso a Última Ceia não repetia a ceia pascal judaica, mas a ultrapassava. A Páscoa de Jesus não foi a mesma páscoa do A.T. Foi a dele. Aquele jantar onde ele se despedia marcava também o início da sua “hora” pré-anunciada repetidas vezes. A hora decisiva da sua vida, o coroamento de sua missão. Ela revela a plena consciência humana de Jesus sobre sua vocação. “Sabia que o Pai tinha colocado tudo em suas mãos, que de Deus tinha saído e para Deus voltava” (v3).
No texto a “hora de Jesus” significa sua volta para o Pai; é a saída do mundo. Saída é alusão ao êxodo ou a saída do povo hebreu libertado do Egito lá no longínquo passado. Lembra-se a páscoa que libertara o povo da escravidão pela imolação do cordeiro pascal. Mas, Jesus é o novo e verdadeiro cordeiro pascal. Deixou-se sacrificar movido por um amor solidário em extremo para nos libertar da escravidão gerada pelo pecado. Individual ou social, o pecado é a fonte da corrupção que sustenta a cultura da morte deixando rastros de injustiças e violências em toda convivência humana.
Essa entrega de amor do Senhor é revivida em todas as culturas do mundo nos gestos simbólicos do lava pés. Jesus tirou o manto, saiu da mesa e ajoelhou-se aos pés dos discípulos. O gesto de “tirar o manto” significa no texto: despojou-se de si para servir a todos. Passou de Mestre a servidor humilde. O lavar os pés era um serviço doméstico prestado ao dono da casa ao voltar da rua empoeirada. Só um escravo não judeu o prestava, pois era considerado muito humilhante e desprezível. A reação de Pedro sinaliza isso: “Tu nunca me lavarás os pés”. Ele só aceitou ver Jesus humilhado a seus pés ao ser colocado contra a parede: “Se não me deixas lavar os teus pés, não és dos meus amigos”. Após a ressurreição do Senhor, ele e os outros discípulos entenderam aquela lição de amor fraterno solidário.
A postura de Jesus ajoelhado perante seus discípulos nos ensina que na comunidade cristã não há dominadores e dominados. Apenas irmãos e servidores uns dos outros. O “lava-pés” não pode ser mera cerimônia. É teste e desafio aos cristãos de todos os tempos. A quem recusamos acolher? A quem não gostamos de servir? Talvez os excluídos por todo tipo de marginalização: desempregados, mendigos, idosos, nossos vizinhos mais humildes? Nesta quinta-feira santa coloquemos nossos pés nos caminhos de Jesus, renovando a convicção: segui-lo é servir por amor.
Pe. Antonio Clayton Sant’Anna,CSsR,