Pe. Adroaldo Palaoro, sj
“Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3)
Quão importante é reaprender aolhar!É decisivo ativar um “olhar contemplativo”, capaz de “ler” por detrás das situações e compreender o que está oculto no mais profundo de cada um.
Todos “estavam” no casamento, em Caná, mas nenhum percebeu que “estava faltando vinho”. Só a Mãe de Jesus foi capaz de dar-se conta de que a festa iria terminar mal. E sai em defesa dos recém-casados, que também não estavam inteirados da situação. Graças a ela, aquilo que poderia terminar em um problema, converteu-se em festa.
Ela não está ali para pôr condições, nem para dar conselhos, nem para proibir e controlar seus filhos, mas para desejar que “todos tenham vinho”, que possam viver em amor e bom vinho, e serem felizes.
Maria, é mãe de todas as mães que querem o melhor vinho do amor para seus filhos. Este mundo se salvará se houver mães que dizem: “eles não têm mais vinho”.
Não sabemos se é que havia outros que viram e sentiram a carência de vinho, à chegada de Jesus, mas sabemos que Maria o avisou. Ela olha atenta às necessidades dos noivos, satisfeita diante de uma festa de casamento que promete felicidade a todos os que dela participam. Poderíamos dizer que ela está a serviço da festa do amor e da vida: quer que haja prazer, que haja vinho e, enquanto outros estão talvez perdidos em afazeres de menor significado, ela sabe manter distância e descobrir as necessidades das pessoas, o mesmo que fez no seu canto do Magnificat.
Nesta cena, há uma característica que deveria estar sempre presente na comunidade dos(as) seguidores(as) de Jesus, a Igreja: devemos passar dasbodas de águae purificação (muitas leis, muitas proibições, muito rito, pedras e mais pedras…) àsbodas do vinho.Que todos os homens e mulheres da terra, todas as casas, tenham o necessário para viver (pão, água, casa…), mas também o bom vinho, que é o prazer da vida, o que inspira a convivência alegre e festiva, reforçando os laços de comunhão entre todos. Nesse sentido, a recordação da presença da Mãe de Jesus, nos revela que ela é uma mulher festeira, promessa de vinho e de amor para as pessoas sobrecarregadas sob o fardo de leis, de medos e normas que paralisam (os cântaros de pedra para a purificação).
Maria, a mãe de Jesus, quer vinho, não para ela, mas para a comunidade festiva, para todos os que buscam e querem seguir seu Filho, para todos os homens e mulheres da terra.
Ela é Virgem de Caná de Galiléia, iniciadora de evangelho, de vinho e bodas, de alegria esperançada.
A Mãe de Jesus se faz presente em todas as Bodas humanas (antes judaicas, hoje cristãs) e descobre nelas muita água para as purificações, mas carente do vinho de vida, que é a alegria dos noivos que se irradia e se expande a todos os convidados. Maria deixa transparecer uma lucidez especial e, em gesto de serviço aberto, descobre a carência da vida. Sabe que os seres humanos foram criados para celebrar as festas do amor, para as bodas do vinho em plenitude, e por isso sofre ao vê-los carentes, sofridos, incompletos, submetidos à água dos ritos e purificações do mundo. Sua presença inspiradora quer conduzi-los à nova família do Reino, onde a festa não terá fim.
A mãe sabe olhar, mas não pode remediar. Ela se encontra diante de um mistério que a ultrapassa, diante de uma carência que não pode solucionar por si mesma. Logicamente acode ao seu Filho:“Eles não têm maisvinho”.Ela leva até Jesus as carências das pessoas.A indicação é delicada, respeitosa para com o momento do seu Filho.
Isto significa que a hora, o tempo e o gesto de Jesus não é marcado por Maria. No entanto, se considerarmos com mais profundidade, descobriremos que a mesma resposta negativa de Jesus deixa emergir um tipo de assentimento implícito: Jesus não rejeita a observação de sua mãe, não nega a carência de vinho. Simplesmente indica que a “hora” se encontra nas mãos de seu Pai dos céus.
Ela aceita a palavra de Jesus, sua transcendência. Sabe que não pode impor-lhe nem mandar n’Ele, traçando para Ele um caminho neste mundo. Mas ela pode, sim, dirigir-se aos responsáveis da festa, a todos os homens e mulheres da terra:“Fazei tudo o que Ele vos disser!”
Assim, Maria deixa a resposta nas mãos de Jesus, deixa o tempo de sua “hora” e, colocando-se no plano dos servidores, apresenta-se como a grande “diaconisa”, a primeira servidora da festa: prepara assim o ambiente para que a transformação das Bodas aconteça. Está ali para ocupar-se das pessoas, daqueles famintos e oprimidos que querem chegar até as bodas da alegria e da vida da terra, mas não podem fazer isso porque falta o vinho do amor e da vida, a alegria da festa.
Ela está ali presente, realizando uma função superior: prepara os servidores (diakonoi) do banquete, ensinando-os a acolher e a escutar seu filho Jesus.
Ela está com os diáconos, servidores do banquete, anunciando e preparando a felicidade prazerosa que se aproxima. Ela está a serviço do festim de manjares suculentos e vinhos generosos que o Deus de seu Filho Jesus Cristo preparou sobre o monte da terra, conforme Is 25,6.
Evangelho: Jo 2,1-11
Na oração:
- Sinta tudo o que há de água depositada e parada em sua vida, com a desculpa de usá-la como purificação na relação com Deus; sinta-se como talha de pedra, fria e rígida, que o(a) torna incapaz de mobilizar sua vida em favor da vida.
- Reconheça e agradeça tudo o que na sua vida se parece com o vinho, que lhe dilata e lhe dá sentido de festa.
- Vinho expansivo que provoca alegria, abundância, reconstrução de novas relações…
Fonte: CRB SP